Desconstrução Digital: Liderando um Run-Off com Estratégia, Equipe e Propósito. Um desafio diferente de tudo o que já vivi.
- Fabio de Freitas

- 13 de ago.
- 5 min de leitura
Ao longo da minha carreira, já conduzi inúmeros projetos de transformação digital. Todos tinham algo em comum: ampliar capacidade, escalar operações e acelerar resultados. Mas, na Seguradora Líder, o desafio foi exatamente o oposto.
O processo de Run-Off, a preparação para o encerramento das operações, nos colocou diante de um cenário singular: era preciso desmontar uma estrutura robusta, construída ao longo de anos, sem perder eficiência, conformidade e, acima de tudo, o respeito por quem fez parte dessa história.
O que é o Run-Off e por que ele é tão complexo
O termo Run-Off refere-se à continuidade, no tempo, dos resultados e da sinistralidade de um contrato ou carteira cancelados. No contexto de seguros, é uma política que garante que a cobertura permaneça em vigor mesmo após mudanças, fusões ou fim da atividade, como é o nosso caso. Isso significa que, mesmo que a seguradora tenha alterado suas operações ou passado por aquisições, a apólice continua protegendo o tomador contra reclamações legais relacionadas a eventos ocorridos durante o período de cobertura.
No nosso caso, o Run-Off da Seguradora Líder exige encerrar operações de forma planejada e segura, cumprindo obrigações regulatórias, preservando a qualidade do serviço e, ao mesmo tempo, otimizando recursos e reduzindo custos em uma infraestrutura que sustentava milhões de apólices e beneficiários.
A ideia da "Desconstrução Digital"
Chamamos essa jornada de Desconstrução Digital.Se na transformação digital o foco é escalar, aqui o objetivo era o inverso: reduzir infraestrutura, encerrar sistemas, simplificar processos e eliminar legados críticos, como o mainframe.
Esse movimento não se limitou à tecnologia. Foi, acima de tudo, uma mudança cultural. Envolveu negociação intensa com as áreas de negócio, gestão de expectativas e a habilidade de tomar decisões difíceis sobre prioridades e investimentos. Exigiu encontrar equilíbrio entre redução de custos e preservação da experiência do cliente.

Estratégia e gestão cultural: mais do que cortar, é engajar
Liderar um Run-Off exige mais do que competência técnica: requer sensibilidade para conduzir mudanças que afetam diretamente o moral das equipes.
Para não perder o rumo, adotamos um modelo de avaliação estruturado, inspirado em uma metodologia da Accenture. Cada projeto era analisado sob dois eixos:
Estratégico: Excelência Operacional, Redução de Custo/Risco, Inovação e Aprendizado.
Técnico: Grau de mobilização da organização, GAP de conhecimento técnico, esforço de implementação e necessidade de ampliação de TI.
Esse framework garantiu que cada iniciativa tivesse justificativa clara e valor mensurável, permitindo priorizar o que traria impacto real, mesmo em um cenário de recursos limitados.
O papel da liderança e da equipe
O sucesso dessa jornada só foi possível porque temos uma equipe alinhada e engajada. No Run-Off, a pressão é grande: há incerteza sobre o futuro, redução de orçamento e a necessidade de entregar resultados rápidos.
Trabalhei para criar um ambiente de confiança, reforçando a importância de cada entrega e valorizando a colaboração entre áreas. Programas de desenvolvimento e protagonismo ajudaram a manter a motivação, mesmo diante de um cenário de redução. No fim, o índice de confiança na equipe aumentou, mostrando ser possível atravessar transformações desafiadoras preservando o capital humano.
Gestão de fornecedores e parceiros: o capítulo invisível da transição
A gestão de fornecedores foi um marco deste Run-off, mas também um desafio de bastidores. Negociamos com todos os fornecedores de tecnologia para encerrar contratos, reduzir ou migrar serviços com cláusulas mais aderentes ao momento da empresa, evitando interrupções críticas.
Trabalhamos lado a lado com o Jurídico e a área Gestão de Riscos para revisar contratos, gerenciar riscos de descontinuidade e assegurar que cada desativação seguisse um plano de transição pactuado, com marcos claros e contingências preparadas.
Preservação do conhecimento institucional: o ativo invisível
A redução de equipe é inevitável em um Run-Off, mas perder conhecimento crítico não pode ser uma consequência. Na área de TI, criamos um programa estruturado de transferência de conhecimento, com entrevistas técnicas, documentação detalhada e sessões práticas entre quem estava saindo e o time remanescente.
Esse material foi centralizado em um repositório digital seguro, garantindo acesso rápido e preservando informações essenciais para a conformidade e a operação até o encerramento definitivo. Sob a ótica corporativa, lançamos o projeto Memória Líder, que catalogou todos os processos e seus respectivos dados, estruturados e não estruturados, resultando em um acervo indexado com mais de 100 milhões de registros, número que continua crescendo.
Cumprimento das obrigações regulatórias: um jogo de precisão
Em um setor altamente regulado como o de seguros, o Run-Off é acompanhado de perto por órgãos reguladores do mercado de seguros. Adaptamos nossos sistemas para atender a novas demandas de relatórios e auditorias durante a transição, implementando monitoramentos automáticos para identificar possíveis desvios e corrigi-los antes que se tornassem riscos.
A TI atuou como facilitadora da conformidade, assegurando que todos os prazos e exigências fossem cumpridos sem penalidades, mantendo a confiança dos reguladores e, principalmente, dos beneficiários.
Resultados que mostram o valor da tecnologia
Mesmo em um contexto de redução, a tecnologia foi protagonista:
Eliminamos o mainframe, gerando 25% de economia no orçamento de TI e aumentando a escalabilidade para serviços digitais.
Implantamos um CRM Omnichannel em cloud com automação e inteligência artificial, melhorando a jornada do cliente.
Entregamos centenas de iniciativas que aumentaram eficiência, reduziram custos, riscos e preservaram a experiência do beneficiário.
Lições aprendidas
O Run-Off me ensinou que transformar não significa apenas crescer. Em alguns casos, a verdadeira transformação está na capacidade de simplificar. É preciso coragem para encerrar ciclos de forma estratégica, tomando decisões que priorizam o que realmente importa: pessoas, conhecimento e reputação.
Aprendi que, quando se coloca as pessoas no centro, mesmo um processo de desconstrução pode gerar orgulho, aprendizado e legado. A tecnologia, quando bem direcionada, é capaz de ser protagonista também na redução, e não apenas na expansão.
E agora?
Vivemos um momento em que falar de transformação digital é quase sempre falar de expansão. Mas existem contextos em que a maior inovação é a capacidade de reduzir de forma inteligente, mantendo qualidade, segurança e a geração de valor.
A Desconstrução Digital pode inspirar empresas em reestruturações, fusões, aquisições e outros momentos de mudança profunda, que necessitem revisão de sua estrutura de custos. É uma prova de que, com estratégia, liderança e equipe, até o processo mais desafiador pode se transformar em uma história de sucesso.
E você?Já viveu uma transformação que não tinha como objetivo crescer, mas sim simplificar e otimizar?Compartilhe sua experiência e vamos trocar ideias nos comentários.
Artigo escrito para a Plataforma NETVisor.
NETVisor, é uma plataforma exclusiva para executivos c-level, proporcionando conteúdos diferenciados, treinamentos especializados, troca de experiências, mentoria e consultoria. Nosso principal objetivo é fortalecer os laços e ampliar o relacionamento entre os participantes, promovendo um ambiente de aprendizado e crescimento mútuo.



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